O ritmo do coração

Imagem borrada dos músicos. Dá pra ver apenas a silhueta avermelhada deles no palco.

Vinte e quatro anos e nove meses….

Faz tempo que o blog anda focado em assuntos de acessibilidade e histórias de superação através do Implante Coclear, né? Mas hoje, um texto especial para quem acompanha o DNO há anos e se lembra dos meus posts dedicados aos deslumbramentos das (re)descobertas sonoras.

Vinte e quatros anos e nove meses se passaram.

Engraçado, porque 24 anos é muito tempo. Uma vida inteirinha, mas ainda lembro bem daquela época. É uma lembrança sensorial, sabe?  Lembro da música, da luz piscante, do cheiro de New Wave (estava na moda) impregnando o ar…

Lembro porque foi a primeira e a última vez que estive numa danceteria ouvindo a música, sem ser pelo som chiado do AASI (que me perdoem os usuários, mas eu e eles nunca fomos muito chegados, a qualidade do som que vinha deles nunca me satisfez de fato). Lembro do coração bater mais forte, pela música que enchia o ambiente. Lembro de sentir meu corpo inteiro querer dançar, porque algo dentro de mim fazia o ritmo da música brotar nas entranhas.

Mas o tempo passou e a vida levou a capacidade desta percepção com ela. Veio o silêncio…

Quando fiz o Implante Coclear, ele me trouxe de volta  não meramente o som, mas a plenitude da vida. Não adianta, por mais que eu tenha vivido quase 23 anos em silêncio, hora cortado pelo som chato do AASI, hora constante, o som é uma parte complementar fundamental da vida. Sem ele, a vida pode ser vivida, mas não sentida de maneira completa. Pelo menos, não por mim…

Só que eu não tinha ido em show ainda. Não sei, eu me delicio com os sons do cotidiano. E com as poucas  músicas que me dou ao trabalho de ouvir. É difícil retornar o hábito… Mas show, não tinha rolado, simplesmente.

O convite veio por acaso. É uma história engraçada. Eu estava numa comunidade qualquer do facebook, que haviam me adicionado… E vi uma moça que postava sempre frases inteligentes e bem  articuladas… Não resisti e puxei papo. O papo rendeu até altas horas da madrugada e ficamos amigas. Ela é jornalista, escreve pra uma revista online, chamada Acesso Total. Ficamos amigas por conta da afinidade com as palavras de ambas.

Ela vinha me convidando para baladas e shows há um tempo, justamente porque a revista permite tais convites. Mas eu, preguiçosa como sou, sempre deixava para a próxima.

Ontem a tarde, ela me propôs de novo o convite de ir a um show. Não tive porque recusar, era perto da minha casa, num horário legal e a vontade de conhecê-la superava qualquer preguiça. Pois bem, fui.

Chegamos antes da banda e deu tempo de comer antes do show. Era uma casa temática argentina…

Finalmente, quando entramos na pista, pode sentir e ouvir o coração bater no compasso da música. Seria mentira se eu dissesse que ouvi a música naquele instante, porque dava para ouvir de fora. Mas não era a mesma coisa. A pista escura… as pessoas dançando… os músicos no palco iluminado com luzes de várias cores….

Tirei fotos, dancei um pouco, mas tudo para disfarçar a vontade gritante de chorar. Chorar de perceber que a redoma de vidro que me deixou enclausurada no silêncio por mais de duas décadas já não existe mais. Por causa de um pequeno aparelho tecnologico, parcialmente inserido dentro do meu ouvido, posso ter de volta a plenitude da vida. Posso ouvir a música, não meramente percebê-la pelo tato e sentí-la dominar cada milímetro do meu corpo. Posso senti-la fluir entre as minhas veias. Posso senti-la transbordar pelos meus poros.

Música realmente faz bem para a alma!

beijinhos sonoros

Lak

 

40 Resultados

  1. SôRamires disse:

    Já me fazendo chorar a essa hora da manhã!
    Hoje por coincidência acordei, coloquei óculos e aparelhos auditivos, fui prá cozinha me deliciando com o som do chinelo batendo no chão e depois o glu-glu-glu da cafeteira italiana (linda!) e pensando no quanto é bom poder ouvir, com ouvidos naturais ou artificiais…seja como for é bom poder ouvir.
    E pensei naquela publicidade que diz que tal coisa não tem preço…e já fiz minha piadinha, poder ouvir tem preço sim, e alto: implantes, AASI, telefones amplificados, consultas com fono, pilhas…esforço pessoal de adaptação aos equipamentos auxiliares, superar medo de cirurgia, superar preconceitos de toda índole…superar a ignorância dos que querem nos confinar a um mundinho, a uma bolha.
    Lágrimas sim, mas lágrimas misturadas a um sorriso. 🙂 😉

  2. Deborah disse:

    Fiquei arrepiada, Lak. Bjs sonoros!

  3. Marcela Jahjah disse:

    Pô, Lak, me fazer chorar e pagar mico aqui no trabalho logo cedo, ninguém merece! rsrsrs
    Tá, confesso, cada vez que leio um post seu sobre redescobertas auditivas, aumenta minha vontade de fazer IC…
    Hum, será que alguém já enrolou mais do que eu pra fazer esse IC? kkkkk
    Uma hora vai…
    Ah, vc conseguiu entender alguma música, ou foi só o som em geral que te emocionou? Quando vc ia em algum show com aparelhos auditivos, o som da música te irritava? E qual a principal diferença que vc notou entre ir a um show com AASI e com IC?

    Beijinhos sonoros! 😈

    • Avatar photo laklobato disse:

      Eu pego a letra às vezes, mas não sempre. Ontem foi difícil. Mas dava para ouvir bem a música, a ponto de querer sair dançando.
      Não gosto do AASI porque, pra mim, ele tem um chiado chato e cansativo. E a música sempre me pareceu mais barulho do que melodia, entende?
      Com o IC, a melodia é clara. Consigo inclusive perceber detalhes dos instrumentos, separadamente.
      Mas, você tem boa audição com o AASI, né? Talvez pra você, a diferença não seja tão grande.
      O que importa é ouvir e apreciar o que se ouve, não importa como.
      Beijos

  4. Bruno Sequeira disse:

    Simplismente lindo!!!! Nenhum comentário a mais…. 😀

  5. Sandra disse:

    QUE LINDO LAKITA!!!
    #arrepiei 😀

  6. Mariana candal disse:

    Mais uma vez chegando às lágrimas!!! Tava mesmo sentindo falta dos seus textos com mais poesia… Mais uma vez adivinhando pensamentos, hein?
    Beijinhos sonoros pra vc tb!
    Mari e Joaninha

    • Avatar photo laklobato disse:

      Hahaha, eu andei recebendo umas ‘indiretas’, na verdade… E, aqui entre nós, é um prazer agradar meus leitores. Especialmente porque esse tipo de texto é resultado da poesia da vida! Beijinhos pra você e pra minha irmãzinha!

  7. Rodrigo Nunes disse:

    Curti muito o post, Láqui.

    PS.: Homem (que come Kit Kat) não chora. Principalmente gaúcho.

  8. Marcela Jahjah disse:

    Lak, minha perda é profunda nos dois ouvidos, e eu sei lá se escuto bem ou mal com o aparelho… kkkkk… É porque realmente não tenho nenhum parâmetro para comparar, já que perdi a audição com dois aninhos….

    Ah, eu queria saber como faz para colocar fotinho aqui no seu blog?

    Bjinho 😀

  9. Paula Pfeifer disse:

    Tu merece todos os sons do mundo, Lak!
    E todas as sensações maravilhosas que vêm com eles!
    :***

  10. Clarice disse:

    Lak, fico feliz que nasceu essa amizade entre vocês, e que nela, houve um momento delicioso. Feliz também, principalmente, é por ter conseguido escutar a música.

    Beijão. Clá

  11. Diefani disse:

    Eu digo que música e o alimento da alma, ou pelo menos da minha sempre foi. Quando perdi a audição essa foi uma das minhas maiores tristezas, não poder ouvir música direito. Mas hoje graças ao IC consigo ouvir todas perfeitamente bem.

  12. Mariana disse:

    Coisa mais linda ver você saindo do casulo do silêncio, redescobrindo os sons graças ao processador, aos eletrodos, aos ímãs, a cada pecinha que compõe o IC e ao nosso cóclea bonitinho que está fazendo tudo funcionar. Eu sei bem do que tu tá falando, a gente se sente dentro da música. Quando a minha audição piorou, fiquei deprê porque não estava conseguindo ouvir as músicas imaginando se algum dia iria ouvir. Quando voltei a usar o AASI, não foi mesma coisa, fiquei estranhando o som das músicas, mas depois de quase um ano, consigo assimilar melhor, mas não é como antes. Ainda, né? Agora que eu tô com IC curtindo a experiência. Ouvi muitos toques de celular hoje no trabalho, sonzinhos mais “completinhos” e puros. Coisa gostosa de sentir! 😀

    Bjs, Lak. Amei o post! 😀

  13. Clarice disse:

    Eu não tenho nada a ver com isso. Quem tem é o universo que conspira ao nosso favor!! 😛 🙂

    Beijinhos!

  14. Raul disse:

    Lak, lindo relato! Emocionante mesmo!

    Acho que você deveria divulgar mais os pista que coloca. Só agora que fiquei sabendo que tinha post novo, sabe como? Fuçando blog da Alice! Tsc tsc vou te dar umas palmadinhas! 😎

  15. Deni disse:

    Sem palavras…

    E muita música em sua vida!

    Beijão!

  16. David Barbosa Melo disse:

    Que bom que você “voltou” às origens. Estava de fato com saudades dos seus textos poéticos, de suas experiências romanceadas. Aliás foi o que me atraiu ao seu blog… a leveza das suas palavras, as suas experiências com o IC contadas na forma de poesia.

    Não que os posts de debates, de indignação, de divulgação e tudo o mais não sejam importantes, são sim, muito importantes.

    Mas é que, enquanto estes tipos de posts alimentam a razão, aqueles (romanceados, poéticos…) mexem com a nossa alma.

    Gostei de mais… já nem falo de lágrimas, pois já se tornaram uma constante.

    Parabéns!

    Beijos.

  17. David Barbosa Melo disse:

    Vou te contar uma novidade em primeira mão…
    Esta semana fiz audiometria de campo.

    Como você sabe para se chegar no quantum ouvimos, é feito um cálculo somando as frequências que ouvimos nas escalas de 500, 1000 e 2000 e dividindo por 3. Um ouvinte normal, segundo esse cálculo, ouve na faixa de 0 a 25 db.

    Bem, minha audiometria antes do IC estava assim:
    OD… (100+115+115)/3 = 110 db
    OE… (90+85+100)/3 = 91 db

    Ou seja, surdo por completo….rsrsrs

    Esta semana, com o IC, constatamos o seguinte:
    OD…. (40+25+35)/3 = 33 db
    OE….(40+35+35)/3 = 36 db

    Estou literalmente com o sorriso nas orelhas… kkkkk

    Beijos

  18. Greize disse:

    Amei Lak, desejo sempre que seu corpo e alma sintam essa emoção, eletrizante, se vc sentiu, eu tb senti ao ler.
    Concordo com esse gênio da música, e como ele sofreu qdo perdeu.Pq a música mexe mesmo com nossa alma.Bjoss com sons sempre!!! 😉

    “A música é capaz de reproduzir, em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria.”(Ludwig van Beethoven)

  19. Andrey Eduardo disse:

    Oh meu pai.. seu texto é tão, mas tão poético! Suas palavras me encantam! Uso o AASI parcialmente a vida toda, e sei q n é tão bom quanto o IC, e cada dia q passa, mais vontade me dá de usar o IC! Porém, a barreira p eu usar o IC, é o medo da cirurgia (além de outros boatos duvidosos), mas um dia chego lá.. quem sabe q lendo o seu blog, tomo coragem? rsrs.. De qlq forma, parabéns pelo blog, pois é uma inspiração p mim 🙂 😀

    • Avatar photo laklobato disse:

      Andrey, essa é uma decisão que deve ser muito pensada. Realmente, existem boatos e existe medos pessoais que devemos respeitar. Eu levei um bom tempo refletindo sobre o IC até criar coragem de fazê-lo.
      Posso dizer somente que, no meu caso, valeu a pena passar por cima dos receios. A qualidade do som é maravilhosa e não precisei fazer grandes mudanças na vida.
      Informe-se mais sobre a tecnologia e, se precisar, estou às ordens para esclarecer dúvidas. Mas, essa decisão é sua e só um médico pode confirmar se seria adequado pro seu caso.
      E, lembre-se, não é por fazer o IC que você precisa abandonar a LIBRAS. Eles até se completam…
      Beijinhos.

  20. Marcelo P disse:

    Lindo! Demais! Sempre gostei de musica, mesmo tendo a perda profunda e usando o AASI por anos e agora com o IC, nunca abandonei a musica, ela me completa, beijos e espero poder te ouvir cantar.

  21. Diana disse:

    Posso chorar junto???? Que presente vc me deu em ler este seu post justamente no dia de hj… Obrigada!!!!!!!!

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