Entrevista: Fonoaudióloga Valéria Goffi

Quando comecei a me interessar pelo Implante Coclear, alguém me falou dessa fonoaudióloga, Dra. Valéria Goffi, mas nem lembro quem foi. Comentei dela com minha mãe e ela contou que já ouvia falar dela desde 1987, quando perdi a audição, porque estive no Hospital das Clínicas para avaliação (lembrando que meu caso era raro, na época, e demorou muito para conseguirmos um diagnóstico. Fomos em 18 especialistas, então…) porque a Dra. Valéria já era considerada uma excelente profissional.

Quis o destino que, quando ia ser operada do IC, meu caso foi parar nas mãos dela.

Admito que sou pirracenta com fonoaudióloga e foram apenas três profissionais que até hoje conquistaram meu coração e ganharam meu supremo respeito quanto trabalho que fazem: Eliane Cattucci (minha fono de adolescência), Aline Pessoa (minha fono de reabilitação auditiva depois do IC) e a Dra. Valéria, que faz os meus mapeamentos.

Quando sentei na mesa da Dra. Valéria, antes da cirurgia, admito que estava receosa, porque sabia que ela era uma autoridade em Implante Coclear, mas não como ela era como pessoa. Mas, quando ela começou a conversar comigo, todo o meu receio desapareceu por conta do ser humano doce, acessível e paciente que ela é. Em pouco tempo de conversa, esclareceu todas as minhas dúvidas e me deu uma mensagem de esperança quanto ao IC “independente de todos os prognósticos do seu caso (que pelos 23 anos de privação sonora, não era dos mais promissores), tenha em mente o que você quer e não deixe que o tempo te desanime, esforce-se para conseguir”. As palavras dela foram exatamente o que eu precisava e são hoje, a base do que escrevo aos candidatos ao IC que vem conversar comigo: tenhamos esperança, sempre!

Pedi, na minha consulta mais recente, que ela nos concedesse a honra de ter uma entrevista com ela, aqui no DNO. Ela aceitou de coração aberto, claro!

Para quem ainda não a conhece, a Dra. Valéria é doutora em Fonoaudiologia e Coordenadora da Equipe de Fonoaudiologia do Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas de São Paulo.
É uma das pioneiras na avaliação dos pacientes surdos para implante coclear no Brasil.

Conte um pouco da sua carreira como fonoaudióloga, você começou trabalhando com o que? Onde?

Comecei minha carreira como fonoaudióloga complementando minha formação de graduação, feita no curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Escollhi ingressar no curso de Especialização em Audiologia na Santa Casa,  e no curso de Especialização em Otoneurologia e Vestibulometria na UNIFESP – Escola Paulista de Medicina com o dr. Mauricio Malavasi Ganança, a dra. Heloisa Caovilla Ganança e a dra. Yasuko Imasato Ito. Na UNIFESP fiquei até 1997, cursando após a Especialização, o Mestrado e o Doutorado. Enquanto isso, prestei concurso em 1987 para uma vaga de fonoaudióloga na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica no Hospital das Clínicas… e lá estou desde então…

Tudo o que eu sou hoje, devo a pessoas maravilhosas que me permitiram aprender e me desenvolver em várias áreas… as fonoaudiólogas dra. Mara Behlau, dra. Silvia Pinho, M. Carmo Redondo, e dra. Irene Marchesan, e o prof. dr. Ricardo Ferreira Bento, marcaram minha carreira  profundamente!

Qual o primeiro contato que você teve como o IC?

O prof. Ricardo Bento, em 1989 ganhou uma bolsa do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, para desenvolver o Implante Coclear nacional, o FMUSP-1. O projeto implicava em que a equipe deveria se formar em centros internacionais e trazer o know-how para o Brasil. Em outubro de 1989, ele me convidou a visitar o House Ear Institute (HEI) em Los Angeles. Acompanhada da Psicóloga Heloisa Romeiro Nasrallla, foram 30 dias de grandes experiências e muito aprendizado! O House Ear Institute, hoje House Research Institute, é um enorme e tradicional centro de pesquisa e tratamento da surdez.

Você acompanha há bastante tempo a evolução dessa tecnologia. Ela mudou muito com o passar dos anos?

Em 1989, embora o implante coclear multicanal já fosse uma realidade, ainda se acreditava que o implante coclear monocanal (com somente 1 eletrodo estimulando toda a cóclea) poderia oferecer benefícios à pessoa com surdez. E de fato oferecia a detecção de muitos sons. Entretanto, somente ´detectar´ a presença dos sons não era suficiente para a melhora da comunicação, almejada pela maioria dos implantados.

Com o passar do tempo, vivenciamos tanto a transição definitiva para a tecnologia multicanal, como os processadores de fala também foram aperfeiçoados, desde as estratégias de codificação dos sons, ao pré-processamento do sinal, e mesmo os microfones. A programação do processador de fala (o mapeamento) hoje em dia, ao mesmo tempo que está simplificada, oferece uma gama enorme de parâmetros diferentes para adequar às necessidades e possibilidades de cada paciente. É mais ´personalizada´!

 

Quem foi seu primeiro paciente implantado? Quando foi isso? Sabe como está o caso dele hoje?

Meus primeiros dois pacientes (operados no mesmo dia) estão ótimos hoje!!! Eles foram dos primeiros em 1994 a receberem o implante FMUSP-1, monocanal e em 1999, quando iniciamos o programa com o implante multicanal eles também foram os primeiros a receber o ´upgrade´. Foram explantados os FMUSP-1 e implantados com o Nucleus 22 na mesma orelha. Os dois no mesmo dia. Continuo a ver o FCJR e o US até hoje para as programações anuais. Inclusive, em 2010 o Ministério da Saúde ofereceu a eles e a todos as pessoas implantadas com implante Nucleus 22, que usavam o processador Spectra (caixinha), a atualização para o processasor Freedom (retroauricular). Eles amaram!

Alguma história de paciente te marcou em especial?

Várias histórias me marcaram…. Seria assunto para toda uma tarde com um bom chazinho… Ainda me emociono em várias ativações e momentos… É indescritível, de arrepiar o ´joelho´ compartilhar a emoção das descobertas dos sons novos que o implante coclear oferece… Me lembro da ativação do RD, num dia 29 de dezembro… nossa.. foi lindo! Me lembro da AGS contando a emoção de assistir a um filme de suspense, e mencionar que ela ´curtiu´ o filme em dobro por poder sentir o ´clima´ de tensão dado a partir da sonoplastia produzida… Demais! Lembro ainda do meu ´choro compulsivo´ quando a RC, depois de quase 10 meses de implante, deu as primeiras respostas seguras à audiometria em campo…. Acho que daria mesmo um livro de histórias e emoções… só de te contar me lembro de muitas outras e sorriu sozinha de alegria…

Como é lidar com a expectativa dos pacientes e/ou dos pais? Qual o maior desafio que uma fonoaudióloga especializada em IC enfrenta nesse sentido?

Com certeza é um grande desafio!

Muitas pessoas acreditam que ouvir com o implante é muito mais fácil e melhor…. e irão ouvir melhor… mas não é tão fácil assim…

Para entender que não é tão fácil, é importante lembrar que implante codifica os sons e divide os sons em ´filtros de frequências´. Nessa codificação o som não é transmitido ao nervo em sua ´forma´ completa e pode acontecer a ´perda´ de algumas características do som original que dificultam a interpretação do mesmo.

Com o tempo e a experiência auditiva ´acumulada´, o cérebro aprende a reconhecer esse novo som como natural… mas são necessárias muitas experiências significativas (associando o som a seu significado).

Para as pessoas com perdas auditivas adquiridas após terem aprendido a falar, surdez pós-lingual, os resultados desejados são só de melhorar a audição. E isso geralmente só depende das condições da cóclea para receber o eletrodo do implante e das habilidades do indivíduo em conseguir dar sentido aos novos sons.

Na surdez pré-lingual, ou seja, perdas auditivas congênitas ou que ocorreram antes da criança aprender a falar, os resultados desejados são de que a criança aprenda a falar. E isso depende de muitos fatores. Poder escutar é muito importante, e o implante coclear pode dar essa oportunidade. Mas nem sempre é suficiente para o desenvolvimento da lingua oral… Algumas pessoas esquecem que mesmo ouvindo os sons e imprescindível dar sentido àqueles sons para formar na memória um ´banco de informações úteis´… Eu costumo comparar com minha ida à Malásia… cheguei lá e escutava tudo o que as pessoas falavam… mas de nada adiantava eu escutar… pois todos aqueles sons não faziam nenhum sentido para mim…. Ou seja, é preciso dar à criança a oportunidade de conhecer o mundo através dos sons… Primeiro ela vai ´descobrir´ que o mundo faz barulho, depois vai descobrir que os sons são diferentes uns dos outros, e depois descobrirá que cada som significa um coisa diferente… não basta colocar o implante na orelha … tem que mostrar o mundo dos sons e seus significados a ela. E isso não ´vem junto com o implante´… todas as pessoas em volta da criança precisam estimulá-la, mostrando o que significa aquilo que ela está escutando…

Muita gente acredita que não é caso de IC porque usa próteses. Mas, o uso de próteses é recomendado antes da cirurgia. Quando que um usuário de prótese auditiva pode fazer um “upgrade” para o IC?

Ótima pergunta Lak. Todas as pessoas com perdas auditivas, mesmo aquelas com perdas auditivas severas e profundas bilaterais, devem experimentar a prótese convencional. Todos os dias nos surpreendemos com o número de pessoas que nunca tinham usado próteses e conseguem se beneficiar delas.

Entretanto, existem muitas pessoas que não conseguem ter acesso a todos os sons de fala com as próteses, não alcançam um reconhecimento de fala adequado sem a leitura labial (ou oro-facial). Essas pessoas devem procurar uma equipe ou um centro de implante coclear para uma avaliação.

Na realidade, o ´upgrade´ para o IC somente estará indicado após uma criteriosa avaliação que determinará se o IC poderá oferecer mais do que a prótese convencional já oferece. Ou seja, a avaliação fonoaudiológica é para ter certeza que a pessoa ´precisa´ do IC. E mais importante do que isso, é a avaliação médica otorrinolaringológica para saber se ela ´pode´ fazer o implante… e acho que isso é tema para um médico complementar…

O lema do IC é basicamente “Cada caso é um caso”, mas como fono, é possível prever quais casos são mais promissores que outros?

Os resultados do implante coclear dependem de vários fatores como: aspectos cirúrgicos (inserção satisfatória dos eletrodos), etiologia (causa da surdez),  mapa no processador de fala, tempo transcorrido entre o aparecimento da surdez e a colocação do implante coclear, existência ou não de memória auditiva e código linguístico (que dê sentido aos sons), quantidade de fibras do nervo auditivo, e capacidade do indivíduo em lidar com poucas pistas acústicas, ou seja de processar a informação ouvida, e consequentemente da reabilitação.

Alguns desses dados podem ser idenficados antes da cirurgia, o que permite prever quais seriam os casos de melhor prognóstico… Entretanto, a previsão não é fácil, pois são baseadas em estatísticas e probabilidades, e como você falou, ´cada caso é um caso´… e existem os ´pontos fora da curva´, os ´outliers´… e fatores às vezes ´imprevisíveis´.

Algum caso já te supreendeu em especial?

Vários. Para melhor e também para pior. Fatores como eu comentei, às vezes ´imprevisíveis´… Crianças e adultos com outras doenças associadas à surdez, que não se conheciam antes da cirurgia do IC e que depois de algum tempo, se descobre que estão interferindo no desenvolvimento das habilidades auditivas… Acontece…

Este ano, o HC FMUSP realizou o primeiro encontro de Pais e Profissionais de Implante Coclear. Como nasceu a idéia desse encontro? Alcançaram o resultado esperado?

Foi maravilhoso!! A idéia é antiga… sempre quisemos fazer esses encontros, mas este ano a iniciativa foi do dr. Robinson Koji Tsuji, que teve sua primeira filha e sentiu na pele como é ser pai de primeira viagem e como é difícil ´administrar´ todas as novidades… ele imaginou que seria mais difícil ainda quando a criança nasce com a privação de ouvir… E quis ajudar…

Nos reunimos com várias famílias e discutimos sobre várias dúvidas de cada uma delas… mas foi só um começo… seria ideal que pudéssemos nos encontrar pelo menos uma vez ao mês… são trocas de experiências que não tem fim…

Vocês pretendem realizar outros encontros?

Faremos outros encontros com certeza, provavelmente num programa de ´longa´ duração… só não sei se conseguiremos fazê-los ainda este ano, pois estamos organizando um congresso grande, o HEARING… que está nos ´consumindo´ muito tempo… mas acredito que no início de 2012 já teremos a programação dos próximos encontros! Você será a primeira a saber!!

 

Obrigada Lak pela entrevista e pela oportunidade de ´estar mais perto´ dos seus leitores!

Mando um carinho a todos, sugerindo àqueles que têm interesse em saber se tem indicação do implante coclear que procurem uma equipe de Implante Coclear próxima da sua cidade ou casa, que seja acolhedora e com ela tirem todas as dúvidas. Hoje existem muitos novos centros de IC em Estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Boa sorte!

Eu que agradeço, Dra. Valéria, pelo carinho e profissionalismo comigo e com todos os leitores do DNO.

Beijinhos sonoros,

Lak

17 Resultados

  1. SôRamires disse:

    Lak, outra entrevista linda, humana, útil para todos.Dra Valéria, e o livro contando suas experiências, para quando?
    Adorei!

  2. Eliane disse:

    Muita bonita a entrevista, bastante esclarecedora.
    E, parabéns a Dra Valéria que dedica grande parte da sua vida a auxiliar a qualidade de vida das pessoas com a surdez, a resgatarem os sons de volta, a fazê-las acreditar que é possível, vale tentar e a conseguirem de fato.
    Uma honra mesmo tê-la aqui e tb muito bom vc Lak existir e, nos proporcionar essa possibilidade. Obrigada a ambas. 🙂

  3. Priscila disse:

    Como sempre adorei a entrevista Lak! Achei muito legal saber que a Aline Pessoa é sua fono, foi ela que nos deu o diagnóstico de surdez da Ana Luiza, ela é um amor de pessoa. E é com a Valéria e com a dra Heloisa que fizemos a avaliação do IC.
    Realmente elas são pessoas iluminadas e super humanas!
    Mais uma vez parabéns pelas entrevistas que vc tem trazido para o DNO.
    Bjos.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Atualmente, eu não estou fazendo fono, mas sim, Aline foi minha fono no primeiro ano de implantada. Maravilhosa!
      Que coincidência, né?
      Ana Luiza está nas melhores mãos, então…
      Beijos

  4. Marcelo disse:

    Lak! Essa entrevista foi maravilhosa, em cada pergunta, uma oportunidade de esclarecer um pouco mais. Entrevista completa e emocionante

    Beijos!

  5. Lívia disse:

    Valéria Goffi, sempre maravilhosa e surpreendente, desde q “ouvi” falarem dela pela primeira vez. Ainda quero conhecer pessoalmente esta profissional maravilhosa. Parabéns, Lak!

  6. Daniela Guidugli disse:

    Conheci ela aqui em Curitiba no sábado! Veio acompanhar a ativação do meu maridão! Muito simpática ela! Fiquei babando pelo Nucleus5….muito lindo, cromado e brilhoso!! hehe ele ainda não está conseguindo perceber sons, diz que não ouve nada e sente muita tontura, mas esse dia chega logo!! A Valéria nos orientou excelentemente durante a ativação….

    • Avatar photo laklobato disse:

      É, conheci bastante gente que ficou frustrada na ativação e nos primeiros meses, porque não conseguia ouvir… Mas, depois, deu um baile na rapidez da evolução do processo, enfim… o N5 é maravilhoso mesmo! E a Dra. Valéria idem. Beijos

  7. Kelly Sotero disse:

    Adoramos esta entrevista, com certeza nos enriquece com tantos esclarecimentos, e nos deixa cada vez mais esperançosos em saber que há profissionais engajados na melhora da vida dos “Implantados”, somos muito gratos por encontrar esses profissionais tão humanos e acolhedores! Estamos anciosos pelo proximo encontro…Lak, obrigada pela oportunidade!!!Bjus e mil sucessos!!! Familia Sotero*.* 🙂

  8. Mônica disse:

    Lak, que entrevista gracinha essa! Eu admiro MUITO, MUITO e MUITO a Dra. Valéria Goffi. Ela foi meu primeiro contato, indicada pela Cris, da ADAP, para iniciarmos um trabalho de esclarecimento e orientação para profissionais e pais de alunos do INES. Desde então nos tornamos mais próximas. Ela e Dr. Koji estiveram no Congresso do INES esse ano participando como palestrantes e foi maravilhoso tê-los conosco. É super competente, humilde e possui um doçura e uma forma tão simples, clara e didática ao explicar sobre o IC que torna o entendimento natural. Aprendo sempre muito com ela. Amei e amei a entrevista ! Parabéns !
    Deixo aqui a sugestão do nome do Dr. Koji para próxima.
    Essa “duplinha” super querida, Dra Valéria e Dr. Koji, além de profissionais extremamente competentes possuem uma forma tão afetuosa e carinhosa de falar sobre IC e esclarecer qualquer dúvida- por mais tola que possa parecer – que merecem todo noso reconhecimento e admiração.
    Sou super fã – fato !
    Beijos !

  9. Roberta disse:

    Oi Lak….adorei a entrevista…gostaria de saber quando será o próximo encontro do FIC em São Paulo…estou louca para ir,mas so uso AASI…bjus

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