As time goes by – 26 anos depois

Dia 16 de fevereiro é sempre aniversário do dia que acordei surda, ainda pré-adolescente. Admito que nunca foi meu dia favorito do ano – embora seja aniversário também de um monte de conhecidos meus, perdoem-me a antipatia pelo dia de vocês. Na real, eu tenho uma certa antipatia pelo mês de fevereiro todo (uma prima minha metida a psicologa dizia que não se pode odiar um mês por causa de um acontecimento ruim, mas eu posso fazer o que eu quiser, porque quem faz as regras do que eu sinto sou eu e não a psicologia, meus parentes, Freud ou o a Inquisição Espanhola, simple as that!)

Portanto, completo meu 25 aniversário como deficiente auditiva. Mais de duas décadas de privação biológica de sons. Vinte e tantos anos de uma mudança radical de perspectiva do mundo.

Durante muitos anos, eu ficava triste nessa data. Depois de um tempo, eu esqueci dela – só lembrando quando falava do assunto. Mas, dessa vez, em vez de tristeza, eu sinto uma sensação deliciosa de conforto. Não, a surdez não me venceu. Ela não foi uma sentença irrevogável. Existe alternativa para a privação de som. Não, eu sei que não estou curada da surdez, mas não ligo a mínima pra cura, só quero poder ouvir, não importa muito como.

Eu gosto de ouvir, sou extremamente auditiva. Gosto de sons, gosto de como as coisas são muito mais completas quando se ouve. Gosto de me sentir parte integrante do mundo e não uma personagem que vive numa bolha de isolamento sonoro.

Muito embora a surdez tenha me ensinado muito, tenha sido uma das bases da pessoa que sou hoje (essencialmente, sou a mesma, mas quem sabe como eu seria, se não tivesse ensurdecido?) e eu não sinta orgulho nem vergonha de ser surda, se eu pudesse escolher,  não teria passado por essa experiência, sendo sincera.

Não porque o trauma foi duro. Nem porque mudou a minha perspectiva do mundo. Tampouco porque tive que reaprender a viver e a ser eu mesma. E nem mesmo por causa das dificuldades (que nem eram tantas assim, o povo maximiza tudo também) ou por causa do preconceito – que, vamos combinar, apesar de ser um obstáculo, também intensifica as conquistas. Dificuldade todo mundo tem e eu teria outras, se não fosse surda. As poucas pessoas que conheci que nunca passaram por nenhum tipo de dificuldade não são pessoas com quem vale a pena conversar, porque são rasas, não sabem o valor de nada, acham que quem reclama de algo está fazendo drama e, quando passam por qualquer tipo de provação, desmoronam e se fazem de vítimas  por muito pouco. Mas, felizmente, são pessoas pouco comuns da gente encontrar, porque a maioria já passou sim, por dificuldades. Já perdeu alguém que amava, já teve uma doença séria, já teve algum problema grave e, no fim, as experiências lapidaram-nas tanto quanto a surdez me lapidou e, portanto, surda ou não, eu teria as minhas provações.

Eu escolheria não passar pela surdez porque amo ouvir, essa é a verdade. Foram mais de 20 anos sem ouvir o mar. Sem ouvir a chuva. Sem ouvir o vento. Sem o som dos grilos, dos gatos, dos pássaros. Sem conversas de olhos fechados ou no escuro ou até em outros ambientes. Sem ouvir o meu idioma, sem conhecer outros idiomas auditivamente. Sem ouvir a voz da pessoa amada – e eu amei muita gente nesse meio tempo, gente que saiu da minha vida e não vai voltar mais, cuja voz eu jamais vou conhecer. Sem saber o que era um “eu te amo sussurrado”, sem ouvir barulho de pipoca estourando na panela ou no microondas. Sem música que acalma, que conforta, que excita, que faz a gente rir. Sem o próprio som da risada, que é delicioso de se ouvir. Sem os sussurros, sem os gemidos de prazer. Coisas que são pequenas, banais, que ficam esquecidas no cotidiano, mas quando fazem falta, deixam um vazio enorme.

Se eu pudesse escolher, não teria ficado surda só pra não precisar passar nem um dia sem tudo isso.

Mas não, a gente não pode fazer essas escolhas. Tampouco pode voltar no tempo….

Tudo bem, fazer o que?

E que venham os próximos 25 anos da minha vida. Desta vez, bem sonoros!

Beijinhos sonoros,

Lak

9 Resultados

  1. E que venham muitos e muitos anos sonoros.m 🙂

  2. Andrea disse:

    E eu sempre me emociono Linda…
    Pois é…que bom que você compreende todas essas coisas….
    E verdade quem sabe da dor da gente é a gente, por isso, se não gosta de fevereiro….respeite seu sentimento e não permita que ninguém interfira nisso…rs
    Beijocas estraladas Lak.

  3. Paulo B. disse:

    Olá, primeiramente queria lhe parabenizar pelo blog, simplesmente massa. Ainda não o li totalmente pois acabei de encontrar e estou no trabalho. Mais to gostando muito.
    Tenho surdez unilateral a mais ou menos 1 ano e só agora que estou testando aparelhos auditivos.
    Mais uma vez parabéns pelo blog!!

  4. Sávio disse:

    Sabe lak, achei seu blog muito bom, e pelo que ando lendo, gostaria muito, de tirar umas dúvidas com você, tentei mandar um recado, mas aparentemente, o site está dando mal função e não funciona, adoraria imensamente se puder utilizar um pouco do seu tempo para me ajudar, obrigado

  5. Sávio disse:

    Ando ocupado com umas coisas pendentes, mas assim que der, obrigado. Abraços

  6. Paulo B. disse:

    Lac tudo bem?
    Acredito que o processo seja lento e um teste de paciência. Estou testando o segundo aparelho, então é cedo pra qualquer coisa. Mais até agora eu tenho variações de humor que vão da esperança a total depressão. Saio de momento de extremo otimismo e vou até momentos em que acho que não vou encontrar uma aparelho pra mim.
    A maior dificuldade até agora, mesmo que sendo cedo, é com a voz, os aparelhos captam tudo, porém a voz tá sendo um problema…
    Espero encontrar uma aparelho que em ajude!!

    Abc!

Participe da conversa! Comente abaixo:

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.