As voltas que a vida dá….

Quando a gente divulga o Implante Coclear, aprende a tomar cuidado com os termos que usa. É importante evitar que suas palavras sejam mal interpretadas e criem expectativas irreais em futuros usuários. O IC é uma tecnologia, não um milagre. Ele não cura a surdez, só permite que através dele, um surdo ouça. Coisas assim…
Faz 1 ano e 3 meses que ativei meu implante coclear na orelha direita. 1 ano e 3 meses que recuperei a capacidade de discriminar a voz das pessoas, com clareza suficiente para entendê-las sem olhar para elas. Clareza suficiente para entendê-las de costas, no escuro, ao telefone. Clareza que me permite apreciar músicas da minha infância. Que me permite aprender músicas novas e colocar todo mundo cantando junto comigo hahaha
Um ano e três meses que, diariamente, vou fazendo as pazes com o meu passado. Cada dia mais livre para ouvir os pássaros (sabendo imediatamente o que é tal barulho), a chuva, o barulho do vento, a risada de longe.
Acordei hoje, num domingo qualquer e levantei para fazer café. Pouco depois, entrei na internet e vi um email aleatório, que alguém mandou numa lista de discussão que faço parte. Não faço a menor ideia de quem seja o remetente, mas abri o email de curiosidade. O email iniciava-se com “Neste dia 16 de fevereiro…”.
Pensei comigo: “16 de fevereiro? Hum, essa data? O que tem ela?” e levei alguns minutos tentando lembrar o que essa data significa para mim. Sabia que tinha alguma coisa…
Foi só depois de alguns minutos de reflexão que lembrei: foi nesse dia, há décadas atrás, que eu acordei surda e minha vida se transformou o suficiente para chegar onde estou hoje.
Durante todos os anos, até o ano passado, esse era o dia que eu me sentia melancólica. Era uma melancolia que começava uns dias antes e chegava no ápice, no dia 16. Ano passado – inclusive esse texto está no meu livro – foi a primeira vez que a data não representou tristeza, mas um momento de paz.
E este ano, quem diria, eu tive que me esforçar para lembrar. Nada passou pela minha cabeça nos últimos dias. E hoje, só lembrei porque vi um email que citava a data e ainda levou alguns minutos para conseguir lembrar.
O implante coclear realmente não cura a surdez. Escrevo isso sem a parte externa, que não coloquei ainda e, por isso, estou dentro da minha bolha de silêncio, que faz com que o mundo não tenha som nenhum.
No entanto, ele curou mais de vinte anos de tristeza. Curou uma ferida aberta ainda na infância. Curou, sobretudo, o isolamento da minha alma, permitindo que todos os sons ao meu redor invadam a minha cabeça, fazendo com que eu me sinta cada vez mais conectada com o mundo.
Ainda que eu não possa falar isso, para evitar falsas expectativas, para que outras pessoas não sofram caso o implante não represente tudo isso para elas, permita-me compartilhar a alegria transbordante só por hoje. São poucas as vezes na vida que a gente se dá conta que milagres acontecem até conosco!

Beijinhos sonoros,

Lak

4 Resultados

  1. O teu texto fez muito eco no meu coração. Vim conhecer-te pela mão da minha amiga Inês L. Entrei na tua página do Facebook e saltei para o teu blog. Do teu Perfil passei para aqui devido ao meu interesse por saber como se sente uma pessoa que tem um implante.
    Sou a Fátima Carrapa, fui Professora e já estou aposentada (já sou avó de 70 anos) e sou portuguesa.
    Há 6 anos tive uma surdez súbita e fiquei com surdez profunda no ouvido direito. O esquerdo já ouvia mal devido a surdez severa, mas foi o que me valeu para poder usar uma prótese. A minha prótese auditiva é da Widex e com ela saí do “fundo do poço” e faço a minha vida quase normal. Digo quase, porque tenho todos os problemas de uma pessoa surda. Para poder comunicar e não me fechar na concha, fiz um blog de Culinária que foi sempre uma grande terapia. Imaginei uma Loja onde se vende de tudo e em 2010 abri “O Meu Estaminé”. Nele falo de vários assuntos (Saúde, Alimentação, Surdez, Viagens, Livros, Receitas). E isso ajudou-me a ultrapassar a solidão de que falas.
    Há pouco tempo encetei o caminho que pode levar a fazer um Implante coclear. Ainda não me decidi, mas estou lá perto. Vou voltar aqui em breve. Um abraço solidário. Bjs. Fátima (Bombom)

    • Avatar photo laklobato disse:

      Muito bom, Fatima. Acho que escrever, pra quem está com as barreiras da comunicação impostas pela surdez, é uma excelente terapia…
      Volte mesmo para dar notícias sobre o implante, se decidiu ou desencanou. Beijinhos

  2. jessica mendonça disse:

    Oi, adoro seus textos e o modo como voce descreve o mundo novo que vc descobriu ao colocar o implante.
    tenho um filho de 3 anos que perdeu a audição quando tinha 9 meses.. e ninguem soube me dizer oque aconteceu. depois de 1 ano fazendo muitos exames e brigando com o plano de saude consegui a protese para os dois ouvidos. mas é muito dificil saber como ele se sente pois é uma criança e nao sabe me dizer..
    é muito bom ler seus posts pq vc explica bem oq acontece na cabeça do implantado e me ajuda a entender meu filhinho!
    faz um ano e um mes que ele fez a cirurgia, e jah ouve muito bem.. jah arrisca algumas palavras e voltou a falar mama e papa que ele jah falava antes de perder a audição!
    gostaria de ouvir alguns conselhos seus.. E com certeza comprarei seu livro! rsrs.. obrigada!!

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