Entrevista com usuário de Implante de Tronco Encefálico (ABI)

A primeira coisa que vou explicar ao iniciar o texto de hoje o porquê da sigla usada no título. Ainda que o nome desse tipo de implante tenha sido traduzida, para referir-se a ele (como por exemplo, ao falar de implante coclear falando IC) usa-se a sigla do nome em inglês: ABI – Auditory Brainstem Implant. E, inclusive, eu já falei algumas vezes desta modalidade de implante aqui. Num rápido resumo, o ABI é indicado para quem, por alguma razão não pode utilizar o implante coclear. Dos casos que eu sei, geralmente é por ausência de cóclea, embora haja outros motivos. Porém, não vou entrar muito nesses detalhes, porque indicação fica a critério dos médicos especialistas. O que diferencia ele do IC é que o feixe de eletrodos (aqueles pontos de estimulação elétrica) da parte interna, em vez de ser colocado na cóclea, é ligado diretamente ao nervo auditivo, que fica no tronco encefálico, que dá o nome do implante.

Hoje, em vez de apresentar o aparelho em si para vocês, trouxe uma entrevista com um usuário desde aparelho.

Se não me engano, são menos de 50 usuários no Brasil todo, então os usuários são bem pouco numerosos.

Sidney apareceu hoje no grupo de Implante Coclear do Facebook e implorei para ele nos conceder entrevista. E, olha que surpresa, ele mandou um vídeo que mostra a entrevista de quando ele implantou (2007) e eu tinha assistido a matéria ao vivo. Já imaginam o naipe da minha tietagem, né?

Segue, então, trechos da nossa conversa:

11110876_10204404551058770_1301588335108004214_n[DNO] Vamos começar com as perguntas de praxe: Qual sua idade, de onde vc é, qual a sua profissão, estado civil,  vc tem filhos, etc?
[Sidney] Sou o Sidney Sharihotsu Marciano, mais conhecido como Shari ou Toddynho. tenho 32 anos, solteiro, sem filhos, Estudante de Administração de Empresas, Residente da cidade de Sorocaba

[DNO]  Primeiro, tenho que falar que estou honradíssima de te conhecer!! Eu vi sua matéria antes de implantar e lembro como a sua alegria parecia animadora! Causou um efeito tipo “Eu também quero!!”.
[Sidney]  Olá, prazer todo meu! De fato, foi um dos melhores dia que tive… E estou sempre brincando e rindo!

[D] Você fez o ABI porque teve tumor na cóclea, foi isso?
[S] Sim, nas duas…

[D] Você nasceu ouvinte, certo? Perdeu a audição com quantos anos?
[S] Nasci ouvinte e perdi a audição aos 19 anos

[D] E foi uma perda gradual ou súbita?
[S] Gradual. Foi caindo… E caindo… E sumiu…

[D] E como foi receber o diagnóstico?
[S]  Cara, foi um baque, né?
Porque eu ouvia bem, tocava em um grupo de pagode e, de repente, começava a atravessar o compasso da música. Procurei o médico e ai ele me disse que eu tinha esse “nódulo” (não usou a palavra tumor para não me assustar). Procurei  diversos médicos aqui na cidade e em São Paulo, mas nenhum me ofereceu o IC. Só diziam que teria que o operar e haveria o risco de morte. Pense, um garoto de 18/19 anos tendo essa noticia?
Sorte que encontrei um médico jovem e atencioso, chamado Dr. Fabricio Parra Brito de Oliveira, que me deu a ideia de me tratar no Hospital das Clinicas de São Paulo.
Sou muito grato ao Dr. Fabricio, ele me ajudou após o implante e até se dispões a pagar meus remédios,  caso eu precisasse. E continua me acompanhando até hoje, onze anos depois.

[D] Quando ele te deu a noticia do nódulo, disse que vc teria que remover as cócleas?
[S] Sim e não.
Para mim não falaram nada. Mas disseram para minhas tias. Ai, elas procuram a melhor maneira de me contar.
Foi complicado receber a noticia! Mas tive que encarar. Se não removesse as cócleas e os nódulos, teria o risco de óbito. Por isso, tive que ir à luta, criar forças e me ver “surdo”, porque eu demorei para aceitar essa condição!

[D] Antes de você fazer a cirurgia do ABI, você passou um período sem ouvir nada? Ou o ABI foi colocado logo que tiraram os tumores?
[S] Fiquei acho que 1 ou 2 anos sem ouvir nada, devido ter as etapas para operar, acertar o meu psicológico para fazer a cirurgia. Enquanto isso, minha audição foi caindo rápido. Finalmente,  consegui agendar a cirurgia. Aliás, graças a rapidez do Dr. Rubens Vuono Brito, que  em menos de 4 meses, conseguiu agendar a cirurgia e o implante para mim.
Foi retirado o tumor e já implantado o ABI.

[D] E como foi esse período sem ouvir nada, antes de implantar?
[S] Conhece a historia da Renovação da Aguia? Foi mais ou menos assim. Era difícil aceitar ter ficado surdo. Era triste o mundo sem som, para quem tocava, dançava e tudo mais…
A sorte que a minha família caminhou ao meu lado, aprenderam a falar comigo, a não me deixar me abater e nem desanimar…
Todos tiraram o pé do acelerador para poder caminhar ao meu lado…
Essa foi talvez uma das piores parte da minha vida, antes da perda de minha mãe.

[D] Como você soube do ABI a primeira vez? Quem te falou dele? O que falaram exatamente?
[S] Foi o próprio Dr Rubens que me falou do ABI. Junto com a Dra Valeria Goffi, me explicaram o beneficio do ABI. Que talvez eu voltaria a ouvir, ainda que não como antes, mas que entenderia sons e perceberia voz..
Que teria que fazer uma cirurgia, que a mesma também poderia me dar paralisia facial por ter de mexe no nervo acústico.
E perguntaram se eu aceitaria fazer o experimento. Que futuramente poderia ajudar outras pessoas.
Ai eu pensei: “já que to assim, pior não fica.”  E topei fazer a cirurgia…

[D] No seu caso, havia outro paciente com quem conversar? Você foi um dos primeiros implantados com ABI no Brasil?
[S] Tinha um sim, não vou me recordar o nome dele, porém, ele não ouvia muito bem, estava começando a desenvolver os sons… Mas sim, acho que fui o terceiro ou quarto a fazer a cirurgia do ABI.

[D] A cirurgia foi simples? complexa?
[S] Após 9 horas de cirurgia, acredito que tenha sido simples, rs

[D] E como foi a recuperação?
[S] Surpreendente! Ao menos para mim, me deram 15 dias de recuperação no hospital. E mo quinto dia, já estava indo para a casa!!

[D] E foi tranquilo? Teve dores, tontura ou mal estar?
[S] Foi tranquilo sim, mas tive dores de cabeça que dava vontade de cortar a cabeça. Eram fortes demais…
Foram dois dias com essas dores! Segundo os médico era devido a pressão do crânio.
Mas foi só isso, doeu e depois ficou tudo bem!

[D] E depois da ativação, como foi? Lembro de ter visto você falando na TV que era um som robótico…
[S] Foi um susto! Após ficar sem ouvir, ao ligar o microfone, comecei a ouvir a turma falando, pessoas, o som do PC.
Quando a Fga. Valéria (Goffi) falou comigo, ouvi uma voz  que parecia música online sabe? Meio de robô mesmo.
E nem bem voltei a ouvir e o repórter já me ofendeu, perguntando se eu era Corinthiano! Orra, ouvi logo de cara isso e retruquei… hahahaha

[D] Uau, você teve discriminação auditiva da fala logo na ativação?
[S] Sim, tive!
Claro que a Dra. Valéria disse que era muito importante eu olhar para fazer a leitura labial, para ver se o que eu ouvia era de fato com o que estava sendo dito, mas sai ouvindo até que bem sim…

[D] E a qualidade do som foi melhorando ou continua robótica?
[S] Melhorou pra caramba. Foi só até o cérebro se acostumar e logo sumiu esse som robótico. Hoje, consigo perceber o som da voz, se é fina, grossa, essas coisas…
Consigo saber pela voz quem me chamou!

[D] E consegue falar no telefone? Ouvir musica?
[S] eu conseguia falar antes. Não sei hoje, meu aparelho celular não é bom e também o receio de não entender…
Música ouço sim! Até arrisco umas baladas e danças. A vida não pode parar, né?! rsrs

[D] Uma última pergunta, você tem alguma restrição em particular? Tipo, não poder praticar esportes ou algo do tipo? Só pra saber se tem diferença quanto ao IC…
[S] Não tenho restrição não, o esporte que pratico geralmente eu tiro a parte externa para praticar. Claro, pego leve, mas não tem restrição não.

Para quem quiser assistir a matéria que passou no Jornal Nacional em janeiro de 2007, contando a história do Sidney:

Beijinhos sonoros,

Lak

13 Resultados

  1. soramires disse:

    oba, tava morrendo de curiosidade e a entrevista já esta aqui…Parabéns Lak pela iniciativa e adorei conhecer a história do Sidney…

  2. adorei a entrevista e conhecer mais essa tecnologia…

  3. Adorei! Não sabia quase nada sobre ABI…

  4. Nuccia disse:

    Parabenizo o blog pela iniciativa e o Sidney por se mostrar tão disposto e alegre. Nossa luta é diária, sem sorrisos não adianta nada…
    Sabe que eu acho que ele tem a mesma doença que eu?… Tumor dentro do ouvido?… E uma dúvida que me bateu estes dias em uma conversa que tive: implantados podem fazer ressonância magnética? Tenho a impressão que a RM estragaria os eletrodos. Você sabe algo, Lak?
    bjks!!
    Nu.
    As 1001 Nuccias | Curtiu?

    • Avatar photo Lak Lobato disse:

      Querida, podemos fazer ressonância com várias restrições. Com o imã, somente em máquinas de força até 1,5T. Se for retirado o imã interno (cirurgicamente), em máquicas de até 3T. Ou seja, podemos até fazer, mas tem restrições de potência da máquina.
      Beijinhos

  5. Lak Lobato disse:

    São poucos usuários, por isso demorei TANTO pra achar um disposto a dar entrevista hehehehehe

  6. Espetacular Lack!! Parabéns por NIS trazer novas informações. Beijos sonoros.

  7. valeska disse:

    Nossa Lak , deste implante nunca tinha ouvido falar , graças a Deus existem profissionais altamente aplicados . Viva !

  8. Crisaidi Bento Sodré disse:

    Lak, Sidney, ambos super simpáticos e claros. ADOREI a entrevista. Pena que acabou! 😀

  9. Karina disse:

    Parabéns pela entrevista!

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