O tempo que existe em nós

As pessoas sempre torcem o nariz e me olham com compaixão quando eu falo que perdi a audição aos 10 anos. Respondem com aquele tom “você era tão pequena assim?”.
Criança sofrendo parece ser uma das coisas que mais derrete corações. E eu concordo, quer me deixar mal, é falar do sofrimento de uma criança.

Mas, o engraçado é que, na época, eu não sofri TANTO assim, muito porque não tinha noção da dimensão do que isso significaria a longo prazo. E porque tenho sorte, meus pais não mudaram a maneira de me tratar. Eles fizeram adaptações, claro, mas continuaram me tratando como o ser perfeito que eu me sentia. E é assim que eu me sinto até hoje: alguém com a essência intacta, a despeito da deficiência sensorial.

Ai acabei criando a idéia de que, mesmo partindo os nossos corações, problemas que se tem desde a infância costumam ser tirados de letra. Os problemas tidos depois de adulto é que nos roubam o chão. E, o engraçado, as vezes, o mesmo problema.

Eu não critico os adultos por sofrerem mais. Eles tem uma noção melhor da situação. E sabem que irão ter enfrentar dificuldades. Por isso, quando converso com surdos adquiridos adultos, eu me obrigo a ter uma paciência maior porque sei que irão reclamar mais (e com motivo, pra eles, o mundo mudou a forma de vê-los bruscamente e toda o universo que eles estão acostumados desaparece). E, realmente, é mais complicado. Então, eu sempre digo “permita-se tudo, dor, raiva, negação, alegrias, risadas, choro, o que for. Só não se permita desistir jamais”.

Esses dias, a Paula, do blog Crônicas da Surdez publicou um relato de uma leitora que perdeu a audição depois de adulta. A história dela é sensível, dolorida, mas inspiradora e demonstra com uma poesia ímpar os medos e anseios que se passam na cabeça de um adulto ensurdecido. E, principalmente, que permitir-se ter esperança independe da idade!

Espero que gostem:

“Descobri que não tinha audição com 10 anos, quando colocaram telefone aqui em casa. Fui atender do lado direito e não escutei. Meus pais rodaram comigo a cidade toda; passei por vários exames e nada. Não sabiam se eu tinha nascido assim ou foi algum remédio que tomei quando criança. Até aí tudo bem, pois me disseram: “cuide bem do esquerdo“.

E fui vivendo, ouvia com o esquerdo e nem lembrava que não escutava do direito. Fui levando minha vida, fiz faculdade. Até que, no final de 2007, tive um gripe muito forte. Tive otites no ouvido “bom”, e a  audição fui indo embora aos poucos. Os médicos não sabiam o que fazer. A perda foi terrivelmente dolorosa, porque eu sentia muita, mas muita dor no ouvido. E ninguém sabia o que era.

Em janeiro de 2008 fiz uma cirugia no ouvido. Me internaram e descobriram uma doença super rara. Granulomatose de Wegener (doença autoimune). Ela causa vasculites, que são inflamações nos pulmões, rins, e vias aéreas – no meu caso, atacou o ouvido. Em fevereiro de 2008 dormi e acordei sem ouvir mais.

Passei todo 2008  em hospital. Todos os médicos diziam: “você vai voltar a ouvir”, para,  no fim, dizerem que não. Nem com aparelho, perda profunda. Mas fui assim mesmo na fonoaudióloga e fiz o teste. Eu ouvi sim(uma voz por vez). Chorei muito pois a voz que ouvi foi da minha mãe, depois de quase um ano sem ouvi-la.

Hoje estou vivendo a realidade das dificuldades da surdez. Por que só hoje?? Porque antes minha recuperação foi dentro de casa. Ano passado, quando fui retomar aos poucos tudo… minha mãe que lutava contra um câncer, piorou. Cuidei dela até janeiro deste ano, quando ela faleceu. Outra perda terrível em minha vida.

Agora tenho que enfrentar tudo sem ela. Entrei num curso de Libras, “pirei o cabeção” achando que tinha que escolher entre o mundo “surdo” ou o dos “ouvintes”. Mas com o tempo e convivendo com estes dois mundos aprendi muito.

Tento retomar minha vida. Minha família é ótima. Mas não tem jeito, existem coisas imperceptíveis a eles que são bem grandes para nós. Tive que me adaptar e eles também. Mas vou citar coisas que me chateiam. Meu irmão um dia disse: “ você não ouve nada ou é mais da sua cabeça?”. Quando eles assistem TV sem legenda e eu pergunto algo,  respondem: “ depois te falo“. Decidem coisas e não falam diretamente a mim – só porque estou presente esquecem que não ouvi o que falaram. Alguns parentes que acham que você ficou “retardado” porque não escuta. Fora a cara de pena que fazem. Compaixão é diferente de dó.

Não os julgo, porque quando eu não tinha problemas também desconhecia tudo. Enfim, o pior de tudo é a solidão. Muitos surdos de nascença criticam a auto-comiseração dos que perderam a audição tarde (no meu caso, com 30 anos). Mas vou provar para todos que  posso tirar essa máscara de fracasso e caminhar. Não sei como será o meu futuro. Agradeço muito a Deus pela minha família e pela estrutura médica que tive, pois sei que muitos não têm acesso a isso.

Estou em tratamento ainda da doença autoimune. Me inscrevi num  concurso público. Os olhares aqui em casa foram de desconfiança. “Você vai dar conta se não ouve direito?”. Se dei conta de lidar com a perda da audição, aprendi a ler lábios sozinha em leitos de hospitais com médicos, e também cuidei da minha mãe em cima de uma cama, ouvindo ela falar baixinho e ainda aturo um zumbido horroroso todos os dias… Sim, eu dou conta!! E depois volto aqui para contar minha vitória!”

Beijinhos sonoros

Lak

14 Resultados

  1. Paula Pfeifer disse:

    Lak,
    Tu que és um anjo encarnado – aliás, só tu pra me fazer encher os olhos d’água as 8 da manhã! Bendito rímel waterproof!!
    =)
    Semana que vem vou fazer uma entrevista de avaliação pra começar fonoterapia na UFSM. Já fui conversar com a professora que vai me acompanhar…a terapia mesmo começa só em janeiro, quando ela volta das férias. Tõ animada! Mas ao mesmo tempo é estranho ver tantos pais na sala de espera com um semblante triste com seus filhos surdos no colo…Acho que vou começar a cutucar todos quando estiver por lá e puxar papo!

    Beijo GIGA e muito, mas muito obrigada messssmo pela força!!

    PS: esse relato da Greize é emocionante!

    • Avatar photo laklobato disse:

      Hahaha não chora não. Não falei nenhuma inverdade ao teu respeito.
      Acho que fazer fono é sensacional, torço para que vc encontre uma profissional com quem tenha bastante afinidade.
      Conversa com esses pais sim. Indica seu blog. Você não imagina como histórias de adultos de sucesso, que foram crianças como os filhos deles, é um conforto. As pessoas tem idéias negativas demais a respeito da deficiência auditiva. Nem tudo está perdido!!
      Alias, vou roubar outro relato do Crônicas, viu?
      Beijos
      p.s. sim sim, ela acabou dando um OLÉ no final hahaha adorei isso

  2. Paula Pfeifer disse:

    ‘Roube’ todos que quiseres sempre!! Sempre respondo os comments das pessoas que chegam lá por email e indico o DNO!
    😉
    beijo beijo

  3. thiago disse:

    Ola!Perdi a audição tb por caxumba , e estou a muito tempo procurando solução par ao meu caso apesar de não ser grave igual ao seu ja que so perdi audição do ouvido direito e vivo e trabalho normalmente e ouço tudo mas quero trtar deste problema..Qqer coisa se puder me ajudar me mande um email ai pq quero trater deste problema tb..vlws e continue bem com sesu post…

    • Avatar photo laklobato disse:

      Thiago,
      normalmente, perda auditiva de um lado só, com o outro ouvido a 100%, não tem muito o que fazer, porque você iria estranhar o som artificial num ouvido e som normal no outro.
      Você poderia testar próteses auditivas convencionais, os aparelhos e, se gostar de alguma, é a única alternativa.
      As próteses implantadas em geral, são para perda bilateral ou condutiva, o que não é o seu caso, já que perda auditiva por caxumba trata-se de perda neurossensorial.
      Mas, de qq maneira, como não sou especialista, sugiro que você converse com um otorrino e uma fonoaudióloga. São as pessoas mais indicadas para te ajudar.
      Boa sorte.
      Beijocas

  4. Andressa disse:

    Concordo que os adultos são mais reclamões mesmo, vejo por mim…heheh, o tanto que aluguei a Lak com as minhas lamúrias, mas por fim ela me fez ver uma luz no fim do túnel e agora estou ouvindo novamente e muito feliz. Acho que quando se é criança não se tem a dimensão do problema, é como se fosse natural, vejo pelas crianças lá do Centrinho, todas sorridentes e muiiiito arteiras.
    O chato de tudo é realmente a forma como as pessoas nos tratam…a que eu mais detestava era…” você é surda mas é tão bonita” como se fosse um consolo, e soava falso….heheheh. Mas com o tempo aprendemos a lidar com essas situações e tirar de letra…
    Hoje estou ensurdecida novamente e decobri como já sou ultra dependente do meu IC…fui visitar a sogra e na hora de vir embora fomos colocar as malas no carro, coloquei minha bolsa com tudo do IC, carregador de bateria, 2 baterias recarregáveis, compartimento de pilha, Fiozinho extra do processador, controle do processador….enfim tudo roubado em 1 segundo…esse era um procedimento que sempre faziamos, carregar o carro e deixar aberto até terminar visto que a cidade é pequenininha, todo mundo conhece todo mundo…a minha bolsa estava dentro do carro e o porta malas estava aberto, pois abriram a porta e pegaram só a minha bolsa e o porta malas que estava aberto não pegaram nada… Ainda to chocada…e perdida pois to sem ouvir desde ontem, como estava usando o compartimento de bateria ela acabou e não tenho como carregá-la novamente. Agora estamos vendo na ADAP( associação dos surdos) o que dá p ser feito…agora não adianta chorar o leite derramado…snif.
    É terrílvel ficar sem o IC…ele já faz parte de mim.
    Bjus

  5. Andressa disse:

    Oiee…te agradeço pelas pilhas Lak…hehehhe.
    Se seu estômago embrulhou imagina o meu quando vi a porta do carro aberta!…Tô muito arrasada até agora, além do gasto que vou ter, dá a impressão de descuido com meu amado IC, eu tinha tanto medo de acontecer alguma coisa com ele que na manha do ocorrido eu sonhei que tinha pulado na piscina com o IC e fiquei desesperada qdo lembrei que não tinha tirado….
    Na segunda mesmo recebi da associação ADAP um compartimento de pilha emprestado e já fiz pedido de algumas coisas ( carregador de bateria e 2 baterias…1.500,00), só o controle p aumentar o volume e fazer os ajustes 1.000,00, a ADAP vai me emprestar tbém, vou esperar para quem sabe o cara não jogou fora e alguém ache e me devolva.
    Tentei comprar a pilha aqui em Ribeirão, ninguém conhecia pilha de alta potência, o preço de uma cartela de pilha 675 comum 18,00…na ADAP a 675 de alta potência 7,00 a cartela, fiquei boba com a diferença.
    Se eu já tinha cuidado agora vou triplicar…heheheh

    • Avatar photo laklobato disse:

      Não saia mais com todas as coisas de uma vez, mesmo pra viajar. Leve ou as recarregaveis ou as comum com o compartimento… Quando viajo, só levo das comuns, pq é mais barato repor…
      Mas, vc fez a cirurgia pelo SUS ou pelo convênio, só de curiosidade?
      Beijos

  6. Andressa disse:

    Fiz pelo SUS, pois fiz acompanhamento lá em Bauru desde quando comecei a ter a perda auditiva, tenho uma amiga que trabalhava lá e tornou as coisas mais fáceis…
    Bjus

  7. Andressa disse:

    Bem que podia ser né!!! Eles até pediram p eu mandar o B.O., mas disseram que é por minha conta…mas vou verificar essa informação.
    Obrigadinha…bjus

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