Dicas de Intercâmbio para deficientes auditivos

Queridos,

Hoje, eu sou a pessoa mais realizada do mundo. Claro, do mundo que gira em torno do meu umbigo, mas essa sensação de conquista que estou sentindo, eu desejo a cada um de vocês. Sejam a pessoa mais realizada do próprio mundo por diversos dias das suas vidas, por favor!

Como já falei umas 8.402.803.802 aqui pelos posts do DNO, o implante coclear abriu meu mundo. Deu-me força, coragem, meios de realizar TODOS os meus sonhos (é, meus sonhos não realizados eram praticamente todos podados pela surdez, porque sempre fui daquelas pessoas que se vira do avesso para fazer o que quer, eu sou assim). E um dos sonhos – que eu também já falei umas 8.999 vezes aqui – era estudar inglês em intercâmbio.

Como escrevi há uns posts atrás “na mala, apenas a coragem e os meus implantes cocleares” e, de fato, foi apenas isso que eu precisei para vir. Porque eu não procurei um curso especializado em surdos oralizados. Vim fazer curso comum, enfrentando as mesmas condições que um ouvinte enfrenta (lamento por quem estava esperando que eu avisasse de uma escola especializada em ensino de idiomas para nós, mas infelizmente, também não achei uma ainda).

Logo que cheguei, fizemos teste de nível e eu fui colocada no Lower Intermediate (algo como pré-intermediário ou intermediário baixo), embora eu tenha estudado muitos anos de inglês com professora particular no Brasil (beijos, Cris!). Isso porque o teste tinha parte de áudio e, obviamente, eu não entendi grandes coisas. Fiquei meio decepcionada comigo, mas depois descobri que lower intermediate já era o 3º nível do curso, que tem 7 no total. E, venhamos e convenhamos, quanto mais baixo o nível melhor para começar, certo? E eu tinha que aprender a ouvir, entender e compreender tudo.

A minha sorte é que fui colocada em duas classes (uma principal e uma eletiva que dava para mudar, mas eu amei e fiquei o curso todo nessa sala) com duas professoras maravilhosas. Logo na primeira aula, avisei da surdez (tem post sobre isso) e nenhuma das duas torceu o nariz, fez cara feia ou o que quer que fosse. Elas realmente exigiam um pouquinho menos no quesito compreensão de áudio. Uma delas só passava áudios que tinham transcrição no livro e já me avisou de cara que eu poderia ler essa parte enquanto ouvisse o áudio (e ela não falava isso para ninguém, heim?). A outra só usou áudio uma vez e esse também tinha transcrição. Fim!

De resto, assisti a aula normalmente, fazendo todas as atividades propostas. No quesito ler e escrever, eu estava um pouco mais avançada que meus colegas. Os erros de grafia deles eram bem típicos de ouvintes (ouvinte tende a escrever baseando-se na fonética e se você não sabe muito bem a fonética do idioma, vai errar bastante), enquanto eu escrevia como uma surda oralizada (que decora mais a grafia das palavras). Lembro que em diversas aulas, a professora me usou como parâmetro “Lakshmi já terminou”, “Lakshmi já escreveu 25 palavras” (ela dava um exercício com letras embaralhadas e a gente ia formando palavras aleatórias com elas), etc.

Mas, claro, quando se referia a entender o que era dito em sala de aula, foi uma evolução. A maior parte do curso, me senti como me sentia nos tempos em que eu estudei sem IC. Tinha algumas coisas que escapavam, mas eu fazia fechamento pelo contexto. E tudo era muito bem explicado, tudo tinha apoio didático por escrito e isso me permitiu acompanhar muito bem as aulas.

Sobre aprender pronúncia, não tive como fugir disso. Minha classe eletiva (aquela que eu podia mudar) foi um sonho. Fui colocada numa sala com uma professora italiana que, como boa italiana, falava altíssimo e muito claramente. E por ser italiana, o inglês não é o primeiro idioma dela então, tudo foi aprendido e não natural. Daí, ela tem uma percepção melhor da pronúncia do que um nativo, já que consegue explicar como e porque a gente está errando. Vi muito brasileiro saindo desistindo da aula dela por achar muito fácil, já que ela ensinava a pronúncia básica (entenda por básica, saber pronunciar todos os sons de vogais e consoantes do inglês).

Nessas aulas, eu me sentia praticamente numa sessão fonoterapia. Ela ensinava como posicionar a língua, os lábios, como vibrar ou não vibrar a voz. E mandava a gente repetir, falar, repetir de novo e corrigia, e corrigia mais ainda. E elogiava ou criticava com a maior cara dura. Se tem gente que achava isso besta, eu me senti no paraíso, porque era exatamente o que eu precisava! Em outras aulas dela, ela deu entonação de voz, ritmo de fala e tudo que importa para você falar bem. Ou seja, aula de vocabulário, pronúncia e oratória. Tem como não amar?  Essa é minha dica número 1: procurem escolas que tenham esse tipo de aula. E se alguém vier pra Kaplan da Leicester Square, peça para ficar na sala da Gilda (Vocabulary, Pronunciation and Speaker)!

As aulas da classe principal também não deixaram nada a desejar. Nessa, minha professora era inglesa (eu fiz questão de perguntar) e um doce de pessoa. Sério, nunca vi alguém tão boazinha, tão doce e tão paciente. E ela tinha toda a paciência do mundo para explicar qualquer coisa que tivéssemos dúvida. E cada aula ela propunha um assunto do cotidiano, dando margem para ensinar gramática, cultura em geral, vocabulário e muito muito muito MUITO phrasal verb, que é algo importantíssimo, mas eu odeio com a força de mil sóis hihihi

Minhas dicas, para quem ficou interessado em vir também:

  • Se você não tem boa compreensão auditiva com prótese ou implante, fazer um curso regular não é muito indicado. Se você for usar apenas a leitura labial, recomendo que tenha um professor particular, de preferência no Brasil mesmo, pra você poder pedir tradução. Em um curso no exterior, nenhum professor falará 1 vírgula em português. Toda e qualquer explicação será em inglês. Ou então, procure um curso especializado em surdos oralizados, que eu também ainda não achei. Se alguém souber de um, me avise, que eu edito o post e terei o maior prazer de divulgar!
  • Se você tem boa compreensão auditiva (mesmo que não seja perfeita, eu tinha tipo uns 25% de compreensão em inglês apenas, mas tinha uma ótima compreensão em português, por isso, sabia que o aprendizado auditivo era possível) aí sim o curso regular é indicado, porque vai te forçar a aprender “na raça”. Mas, tem que ser turma pequena, para o professor poder te dar um pouco de atenção também.
  • Avise da sua condição ANTES de pagar pelo curso. Eu fiz isso e não deram importância, porque o fiz por telefone, daí o atendente achou que não haveria problema, já que alguém que fala pelo telefone tem condição de aprender a ouvir em outro idioma. E avise DE NOVO quando você chegar. E avise MAIS UMA VEZ para cada professor que você tiver.
    Os professores TEM QUE saber que tem um aluno com deficiência auditiva em sala de aula. Para o caso de, como contei, ter aulas com áudio e te oferecerem as transcrições do áudio quando possível.
  • Opte por ficar num nível que você se garanta na parte auditiva. Mesmo que isso represente estar num nível baixo do seu conhecimento gramatical/vocabular (essa palavra existe?). Lembre-se que o nosso nível auditivo nem sempre corresponde ao nível de conhecimento, mas se você veio estudar em intercâmbio, a sua prioridade deve ser ouvir e falar.
  • Não tenha vergonha de dizer que você não consegue escutar ou pronunciar algo. Pelo menos aqui na Inglaterra, inclusão e acessibilidade são algo real e eles respeitam as limitações de cada um. Não vi nenhum professor ou profissional da escola se surpreender com o fato de uma deficiente auditiva estar em classe de ouvinte. Se posso acompanhar as aulas – mesmo que com pequenas adaptações – minha deficiência é problema meu e não para eles.
  • Lembre-se que você pode estar num país que acredita em tudo que falei acima, mas tem gente do mundo inteiro. Então esteja preparado para ver aluno estranhando o fato de você estar ali. Há culturas do mundo em que a exclusão social de pessoas com deficiência ainda é uma realidade, portanto nesses casos, são apenas diferenças culturais.
    Obviamente, se a pessoa te faltar com respeito, você pode reclamar na coordenação do curso, porque vai prevalecer a cultura do país onde você está. Mas, se for apenas cara feia, simplesmente ignore e toque o baile.
  • Você pode pedir adaptações para testes de aptidão de nível e exames oficiais sim! Aqui na Inglaterra, inclusive pode pedir isso em testes para universidades, tipo o CAE.
    Como é feita a adaptação? Você recebe uma transcrição do áudio para você estudar e no momento do exame alguém lê o áudio na sua frente para que você possa ler os lábios da pessoa enquanto a ouve.
    No primeiro teste não pedi, porque realmente quis ver até onde conseguia ir. Pedi no segundo teste e me deram um exame diferente dos demais alunos.
  • Se você for usuário de algum sistema de transmissão sem fio, como o FM ou o Roger, traga seus aparelhos. Geralmente salas de cursos de intercâmbio são pequenas, com uns 15 alunos e o professor fala alto (e usa muito a lousa como apoio). Mas tem muita muita muita aula com conversação de grupo e todos falam ao mesmo tempo. Sugiro esse recurso para facilitar a compreensão das falas do pessoal do seu grupo.
  • Se você puder (e seu dinheiro der) venha para ficar NO MÍNIMO 60 dias. Um curso de apenas um mês é a maior roubada! Quando você finalmente começa a entender tudo, falar tudo, o curso acaba (leva umas 3 semanas pra gente quebrar o próprio gelo). Tinham me dado essa dica e achei que era bobagem, mas saibam: NÃO É!

E, terminando de contar sobre a minha experiência…

Amei cada segundo do curso. Amei realizar meus sonhos. E como dizem, o universo sempre conspira a favor daqueles que correm atrás dos sonhos. Como contei, eu estava um pouco acima da minha turma, no quesito gramática/escrita. E o curso é de 8 semanas por nível, mas a cada 5 semanas de curso você pode fazer um teste de nível e trocar para o nível seguinte se você for bem. Eu não estudei 5 semanas, mas graças ao meu desempenho, minha professora ofereceu esse teste (o tal que eu pedi adaptação) e fiz. Mas ela me avisou tipo, 2 dias antes da data do teste. Sobrou muito pouco tempo para estudar, mas… Eu passei!! Volto para o Brasil com certificado de nível Intermediário e não Lower Intermediate. Não preciso falar que quase explodi de alegria (e até chorei um bocadinho) quando soube que tinha passado!

O Edu e eu ficamos em classes diferentes, o que foi super importante para a minha independência. É batata eu usá-lo como tradutor/intérprete quando estamos juntos.

O Edu e eu ficamos em classes diferentes, o que foi super importante para a minha independência. É batata eu usá-lo como tradutor/intérprete quando estamos juntos.

Na mala de vinda, eram apenas a coragem e os meus ICs. Na mala de volta, irão também meu certificado e um orgulho que não cabe no peito! Como é bom sonhar, mas melhor ainda é realizar estes sonhos!

Se tiverem mais dúvidas, estou às ordens.

Beijinhos sonoros,

Lak

p.s. Se você não tem deficiência auditiva ou deficiência nenhuma e quer fazer o curso na Kaplan e quer saber algo específico, me avise. Já aviso que super indico, que é fácil se inscrever, que o conteúdo do curso é ótimo e que vale muito a pena escolher essa escola.

 

32 Resultados

  1. Eee a
    Parabens pro casal. Quem estuda junto enriquece junto ( nao so de $) .

  2. Parabéns Lak Lobato!!! Espero que o IC ajudou muito!!!!

  3. Lak Lobato disse:

    Barbara Ferraz estudamos na mesma escola, mas não juntos. 🙂

  4. Lak Lobato disse:

    Elizabeth Lopes, o IC foi o alicerce do curso.

  5. Viveram a experiência da viagem-intercambio juntos. Ate pq na mesma sala podia ate atrapalhar hehe.

  6. Lak Lobato disse:

    exato, como contei no texto, eu uso ele de tradutor organico hahaha

  7. Muito legal, Lak Lobato. Parabéns aos dois!

  8. Que experiência fantástica! Muito legal!

  9. marli scheifer camargo disse:

    Lak, simplesmente emocionante, como tudo que você escreve. Leio e me encho de coragem pra ir atrás dos meus sonhos também. E mais uma vez, parabéns!!! Você merece.

    • Avatar photo Lak Lobato disse:

      Pra você, super recomendo. Seu resultado com o IC te permite essa ousadia! Venha mesmo, realize essa vontade e permita-se sair falando em inglês perfeitamente!! 🙂 You can do it! Beijinhos

  10. soramires disse:

    ótimas dicas, dá segurança ter esse tipo de informação, obrigada.

  11. Congratulations my sister !!!

  12. Carla Cristina Bueno disse:

    Parabénss Lak! Amei a sua experiência no intercâmbio! Isso é enorme conquista! Vc está trazendo muito orgulho e motivação para todos nós. 😉  
    Lak, sempre fiz cursos regulares de inglês, estudei em duas escolas e percebi as diferenças de ensino entre elas. Tanto que a minha última escola de inglês, deu super certo, com uma metodologia de ensino bem bacana e adaptaram o quesito de transcrição da áudio, como vc mesma citou, sendo que nas minhas aulas eu tinha a transcrição escrita e no exame, digamos uma “transcrição labial por parte do professor”…hehe! Concordo plenamente contigo!
    Mas tenho uma dúvida: Será que fazendo intercâmbio nos EUA ou Canadá teríamos a mesma acessibilidade que você teve em Londres?

    Um abração! Mais uma vez, PARABÉNS!

    • Avatar photo Lak Lobato disse:

      Carla, eu acredito que sim, porque deve ser metodologia da escola e tem Kaplan nesses países. Mas, só indo pra saber… Infelizmente, só posso dar testemunho de onde vivi a experiencia, mas tb vim sem saber como seria. Tentar, as vezes, faz toda a diferença! Acho que vale a pena pagar pra ver! Não deixe de tentar, quando houver oportunidade! Beijos

  13. Fernanda Teixeira Silva disse:

    Parabéns Lak!!! Muito orgulhosa de você! Ainda vou aprender a ouvir em inglês também!!! Mas antes estudar tikim dele pra ver se vou pro básico ou intermediário!!!!

  14. Tatiane disse:

    Depoimento maravilhoso Lak! Incrivel como nao imaginamos como nosso trabalho pode mudar a vida de alguem! Parabens e esperamos voce na Kaplan no ano que vem se quiser voltar! Take care!

  15. Ina Siqueira disse:

    “A maior parte do curso, me senti como me sentia nos tempos em que eu estudei sem IC.”
    Eh assim que eu me sinto day per day rsrs amei o seu blog e vou continuar visitando sempre… Eh tao bom ver que n estou sozinha nesse mundo… Quando eu vim para Europa estudar inglês, eu n tinha conhecimento nenhum… Eu so sabia falar HI HOW ARE YOU? hehe eu tive que aprender na marra… no começo eu so tinha vontade de fugir pq na sala so tinha eu e mais 2 alunos e o professor tinha um sotaque carregadissimo. Bom, para melhorar o meu vocacabulario comecei a ler muito… assim como vc, na escrita eu sou a melhor da sala,,, Mas estou na luta pra pegar o jeito na leitura labial em Ingles… E cada english speaker com o seu sotaque rsrs… E essa moda de homens com barba?? Aiai fica mais divicil ler os lábios deles… vc sofreu com isso?? Parabens pelo certificado, pela luta e pelo blog!! bjao

  16. Lak Lobato disse:

    Ina, bastante também. Não adianta ouvir, sem entender bem a lingua auditivamente. Então… é quase a mesma coisa que depender só da leitura labial, boa parte do tempo. O que ajuda é que a compreensão auditiva vai melhorando com o tempo, ne? 🙂

  17. Congratulations, musa! Parabéns pela coragem, pelo aprendizado e pelo certificado! Tô querendo fazer algum intercâmbio pra aprender outras línguas, tua dica de curso de 2 meses veio bem a calhar!

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