Acessibilidade além da Libras

Que a gente – o grupo de divulgadores de surdos oralizados, implantados e/ou usuários de AASI – bate a tecla de que acessibilidade para deficiência auditiva não se resume interpretações em língua de sinais, todo mundo já está até cansado de ouvir.

Mas, sempre tem alguém para dizer que bastaria que aprendêssemos Libras que estaria tudo resolvido.

Por isso, resolvi chamar as pessoas para conversar sobre o que significa inclusão e acessibilidade, para mostrar como esse “ah, basta que…”  é inclusive falta de respeito pela diversidade, dentro de um universo que justamente briga pelo direito de reconhecimento pela diversidade.

Vamos tomar a deficiência física como exemplo. É uma das deficiências que mais tem diversidade. Tem gente que tem lesão medular e gente que é amputado. Tem gente que não tem a mão, tem gente que não tem o braço, tem gente que não tem altura dentro dos padrões do que é considerado normal. Agora, imagina se eu disser “Ah, basta por uma rampa aí, que todos os problemas de acessibilidade para gente com deficiência física está sanado.”? Se tem gente cuja deficiência é nos membros superiores, ter rampa é menos importante que ter um porta-toalha que possa ser usado com uma mão só ou um suporte para bandeja no refeitório, enquanto ele pega comida.  Percebem que UMA solução não é suficiente para resumir acessibilidade?

“Ah, mas isso não se compara a facilidade de aprender uma língua.”

Vamos combinar o seguinte? Aprender uma língua inteira de uma hora pra outra não é fácil. Não tentem resumir à Libras a uma comunicação facinha que se aprende em meia hora de aula. Quem já estudou Libras sabe que é uma língua complexa, que mesmo com anos de estudo pode ser difícil de pegar 100% do idioma.

Agora, imagine alguém que acabou de perder a audição, que está se adaptando às novas condições de vida, você dizer pra ela que além da audição dela, ela perdeu também o direito de usar a língua que ela usava até ontem. Que é o código linguístico materno dela, que ela usava desde que aprendeu a organizar as ideias? E que ela vai ter que substituir por outra assim, do nada. Sim, tem gente que vai achar mais fácil aprender língua de sinais. Mas, tem gente que só quer continuar tendo acesso ao idioma materno dele.

Outras pessoas, passaram ANOS fazendo reabilitação auditiva com fonoaudiólogos e treinando para escutar o máximo possível através de prótese/implante. E se sentem felizes usando a língua portuguesa, porque se sentem confortáveis de usar o Idioma Nacional. E daí, simplesmente dizem que a única forma de acessibilidade que podem ter é com a língua de sinais, uma forma de comunicação que essa pessoa nunca teve vontade de usar, porque se sentia bem ouvindo por prótese e falando com a voz desenvolvida por reabilitação auditiva.

Há pessoas que tem afinidade com a Libras e pra elas, essa forma de acessibilidade basta. Há pessoas que apesar de terem afinidade com a Libras, se tiverem opção de legenda/sistema de transmissão fechada de som, preferem porque tem ainda mais afinidade com a língua portuguesa. E tem pessoas que simplesmente só tem afinidade com a língua portuguesa.

Considerando, então, toda a diversidade que abrange a deficiência auditiva: gente que nasceu surdo e que teve sucesso na reabilitação auditiva (através da leitura labial, prótese ou implante auditivo), gente que perdeu a audição no começo da adolescência ou na semana passada. Gente que tem perda de um ouvido só e gente que tem perda moderada nos dois ouvidos, idosos que ouviram a vida toda e perderam a audição com a idade, etc. É importante que a sociedade entenda, que assim como não existe um modelo único de pessoa com deficiência auditiva, também não existe uma única solução mágica que vai funcionar para todo esse grupo. A deficiência pode ser a mesma, mas a forma de se comunicar não é.

Por isso, junto com a Libras (e em momento algum desmerecendo a importância dela), é importante que ao se falar em acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva, inclua-se a legenda (em sistema aberto ou em sistema fechado, tipo closed caption) ou transcrição em tempo real (estenotipia) e sistemas de transmissão fechada de som (aro magnético, sistema FM, sistema ROGER ou sistema wireless tipo Mini Mic), que enviam o som principal de um evento direto para o aparelho auditivo ou processador de implante.

Acessibilidade é dar às pessoas o acesso à um local ou à informação de acordo com as necessidades dela, certo? Então, por que no caso da deficiência auditiva, querem que as pessoas se adaptem à forma de acessibilidade que consideram mais fácil? Se acessibilidade é respeito à diversidade, que respeitem também a diversidade que existe dentro da deficiência auditiva. Quem tem a língua portuguesa como primeiro (ou único) idioma, agradece!

Beijinhos sonoros

Lak

8 Resultados

  1. exato!! já para não acrescentar o seguinte: se eu aprender Libras para comunicar, depois então vou comunicar com quem? com a minha família e amigos, colegas de trabalho, que não sabem Libras? tive quem me perguntasse por que razão não aprendia e foi isso mesmo que respondi.

  2. Tudo bem explicadinho…só não vai entender quem não quer…vou divulgar. Beijos.

  3. Doracy Filha disse:

    Amoreeeee, concordo plenamente contigo, cada caso é um caso, ninguém é obrigado a aprender a Libras. Há outras coisas que confundem ainda mais as pessoas (ouvintes) são as diferentes identidades de surdos e a forte cultura da comunidade surda. Acredito que devemos respeitar as diferenças e as escolhas da língua de cada um. Nenhuma língua é inferior à outra, ambas são diferentes na forma de comunicação. 😘😘

  4. Haila disse:

    Exato, Lak – amo teu nome, também tenho um nome diferente, visto que meu pai é libanês -, e teu post veio em boa hora, visto que sou usuária de AASI desde os 2 anos, além de oralizada 😉 caso tenhas interesse em saber minha história, aí vai….
    Tenho 16 anos e em dois anos farei o ENEM, e pretendo seguir em medicina veterinária, apesar de ter perda auditiva neurossensorial bilateral profunda. Sim, sei que é um nome complicado, mas vou tentar explicar: tenho perda auditiva profunda nos dois ouvidos, devido à sequelas de meningite que peguei aos dois anos e uso AASI – Aparelho Amplificação Som Individual -, quando foi detectada minha perda, aos 2 anos e 10 meses. Fui oralizada, e acredito que quanto mais cedo a perda auditiva for diagnosticada, melhor para o paciente a família. Tive – e ainda tenho – certa dificuldade em entender o que as pessoas dizem, especialmente quando estão falando uma língua estrangeira. No mais, tive uma infância normal, quiçá idílica. Nasci em Belém – PA, mas aos 3 anos me mudei para Providenciales, Turcas e Caicos, onde cresci. Voltei à Belém aos 11 anos, onde resido atualmente, apesar de sentir saudades de Provo. Quero cursar Medicina Veterinária, apesar de não saber se terei chances devido à deficiência… PS: sou oralizada, NÃO falo LIBRAS e falo uma segunda língua – inglês -, além de ter boas notas no colégio, apesar de ter sido diagnosticada com TDAH – Transtorno de Deficit de Atenção – aos 9 anos, além de ter sido recentemente diagnosticada com depressão, mas isso é outra estória. Gostaria de saber se terei chances na faculdade de Veterinária, apesar da deficiência. 😳
    Beijinhos caribenhos,
    H

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