O que são Surdos Oralizados?

Fiz esse texto pro blog de um amigo meu, Fred Rios, chamado Acessibilidade na Prática.

Já tinha colocado o link pro texto original aqui, mas queria trazê-lo para o DNO, então faço isso hoje:

Surdos oralizados

Por Lak Lobato

De vez em quando, alguém me pergunta o que é um surdo oralizado.

Afinal, todo mundo já ouviu falar de surdos que se comunicam por sinais (e até acham que isso é comum de toda pessoa com deficiência auditiva) e de gente que ouve usando aqueles aparelhos pendurados na orelha.

Por conta dessa falta de divulgação sobre o nosso grupo, dos surdos oralizados, decidi que precisava fazer um blog contando a minha experiência, o “Desculpe, Não Ouvi!“. Minha preocupação principal era esclarecer sobre a diversidade que existe entre as pessoas que têm essa deficiência.

Atualmente, com a divulgação da Libras, muita gente fica deslumbrada com a Língua de Sinais e acha que este idioma é comum a toda pessoa com deficiência auditiva. A Libras é um idioma belíssimo e reconhecido oficialmente como meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas do Brasil, mas ela não contempla as necessidades de toda pessoa com deficiência auditiva.

Essa ideia de que deficiência auditiva é sempre sinônimo de Libras ocorre muito porque, quando se aborda o tema da deficiência auditiva, rapidamente se vem à mente o estereótipo (e o termo errado) do surdo-mudo. Alguém que não fala, porque não ouve. E se não ouve, não poderia falar e, por isso a solução para se comunicar é a Libras.

Existem vários tipos pessoas que convivem com a limitação auditiva. Há quem consiga driblar a deficiência com aparelhos auditivos comuns. A pessoa vai lá, coloca um aparelhinho na orelha, passa a ouvir com essa ajuda e resolve tudo. Essas pessoas são chamadas de deficientes auditivos e, normalmente, possuem perda em grau leve ou moderado.

Mas existe também quem tenha deficiência auditiva severa e/ou profunda e não faça uso da língua de sinais. Pessoas com deficiência auditiva que, independentemente de se beneficiarem ou não com aparelhos ou implantes auditivos, falam normalmente (ainda que com sotaque típico em alguns casos) e também podem utilizar a leitura labial. São pessoas que perderam a audição depois da aquisição da fala através da audição (também chamados de surdos pós-linguais) ou crianças nascidas surdas ou que perderam a audição, mas cujos pais acreditaram na oralização através da fonoterapia. O que os diferencia das pessoas com deficiência auditiva de graus mais leves é justamente o fato de nem todos serem capazes de discriminar a fala auditivamente, mesmo utilizando próteses auditivas. O termo usado para referir-se a essas pessoas, é surdo oralizado.

Os surdos oralizados, em geral, não costumam ter muito interesse pela língua de sinais, porque a língua que se tornou natural é o idioma comum, no caso do Brasil, o português. Quando um surdo fala português oral e Libras, é chamado de bilíngue ou bimodal.

Como os Surdos Oralizados são comumente confundidos com pessoas com deficência auditiva de graus mais leves, já que conversam normalmente, muitas vezes, têm direitos e necessidades negados. Embora um surdo oralizado não negue as necessidades dos surdos que não são oralizados e respeite a Libras, ele também precisa de algumas adaptações para si.

Não adianta deduzir que toda pessoa com deficiência auditiva sabe a língua de sinais e achar que basta por si só. Um surdo oralizado dificilmente vai entender uma janela com interprete de Libras na televisão, uma vez que não domina esse idioma. Um surdo oralizado precisa de legenda, porque geralmente tem facilidade de leitura e tem o português como base linguística. Um surdo oralizado não quer um intérprete de Libras numa palestra (a alternativa seria um intérprete oralista, que traduza o que é falado, mas oralmente), mas quer sentar numa posição que lhe dê boa visibilidade do palestrante. Um surdo oralizado quer apenas um pouco de paciência e boa vontade do interlocutor, para falar com calma e de forma natural, sempre virado pra ele.

Muita gente acha que é obrigação de toda pessoa com qualquer grau de surdez aprender a língua de sinais, numa tentativa de homogeneizar a deficiência. Só que isso é um desrespeito à individualidade e à diversidade. Se o primeiro idioma que eu aprendi foi o português, é meu direito como cidadã brasileira tê-lo como primeiro (e até único) idioma. Não é porque uma parcela de pessoas surdas usa a língua de sinais – que pra eles é útil e absolutamente necessária – que toda pessoa com déficit auditivo tem obrigação de utilizar esse idioma no dia a dia. Seria a mesma coisa que forçar todo deficiente físico, à revelia das suas condições, a usar cadeira de rodas e ponto. Rejeitar-se-ia o uso do andador, da muleta, das próteses e órteses. Reduzindo todo e qualquer pessoa com deficiência física a cadeirante, sob alegação de que assim, é mais fácil fazer adaptações.

A leitura labial é uma forma de comunicação aceitável, sim! Muita gente consegue se virar bem com ela. A leitura pode até não ser uma cópia fiel da audição, mas é uma forma de comunicação tão válida quanto a audição ou a língua de sinais.

E todo surdo que quiser falar oralmente, tem o direito de se expressar dessa forma, mesmo que a voz dele tenha um sotaque característico de quem usa, no lugar do feedback auditivo, a vibração e ressonância óssea como controle de voz.

Atualmente, existe também a opção de um surdo oralizado ou não, que não consegue ouvir com aparelhos convencionais, recorrer ao implante coclear – um aparelho especial, inserido parcialmente por cirurgia, que permite recuperar boa parte da audição perdida ou ausente, reproduzindo artificialmente a estimulação do som natural, diretamente na cóclea – e passam a se comunicar ainda mais por via sonora. Nesses casos, os usuários do IC são chamados também de “implantados”.

O implante coclear possui duas partes, uma interna e outra externa, que só funcionam em conjunto. Ele nos devolve parte da audição e permite a percepção maravilhosa do universo sonoro. Nem sempre o aparelho convencional tem potência suficiente para permitir que uma pessoa com deficiência auditiva ouça, por exemplo, o som da campainha, do interfone ou o miado do seu gatinho de estimação.

Mas, é importante lembrar que o implante coclear não cura a deficiência auditiva. Um surdo que ouve através do implante colear a não deixa de ser surdo, uma vez que ele só ouve quando usa também a parte externa do aparelho.

Portanto, mesmo um surdo implantado continua sendo parte da diversidade dessa deficiência.

Conheça o livro Escute como um surdo, um guia prático para pessoas que querem melhorar a sua capacidade de gostar de ouvir.

Nem todo mundo consegue chegar a compreender plenamente a fala através do implante. Varia muito conforme a idade em que foi feito o IC e o tempo em que se permaneceu ensurdecido. Mas, certamente, permite que se quebre o silêncio em casos de surdez severa e profunda. E ouvir não se limita a usar a audição para se comunicar. O universo sonoro é muitíssimo rico e vasto, fazendo com que “ouvir”, mesmo que de forma artificial, seja uma experiência maravilhosa.

É sobre essas experiências de surda oralizada e, atualmente, implantada, que relato em meu blog.

Numa época que se fala tanto em diversidade, em inclusão e em respeito à individualidade, as pessoas precisam conhecer todos os tipos de integrantes do vasto universo da deficiência auditiva, além de respeitar as necessidades intrínsecas e características de cada grupo, sem se sobrepor ou negligenciar as necessidades dos demais. Há espaço suficiente para todos!

Beijinhos sonoros,
Lak Lobato

15 Resultados

  1. Simone disse:

    Lak…não só pessoas que perderam a audição, mas também as pessoas que nasceram sendo surdas. Eu nasci surda – minha mãe teve rubéola durante a gravidez – e sou surda oralizada e não tenho interesse nas libras.
    Beijos.
    Simone.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Eu falei isso, Si “São pessoas que perderam a audição depois da aquisição da fala através da audição (também chamados de surdos pós-linguais) ou cujos pais acreditaram na oralização através da fonoterapia.”
      Achou que ia deixar vcs de fora? haha
      Que nada, os oralizados de nascença tem a minha admiração e respeito eternos!!
      Beijão

  2. Kali disse:

    Adorei o texto! Bem claro, didático e muito pró inclusão! Não adianta incluir de um lado e excluir do outro… certíssima!
    Bjs

  3. Greize disse:

    Gostei, mostra a Diversidade, bom para esclarecer, várias dúvidas de muita gente.Na preguiça de ficar horas explicando, envia esse ótimo texto.
    Bjusss
    P.S: Lak,tenho uma curiosidade, como é profissão de um Legendador?Aqui em bh, não tem, será que alguém consegue?Para nos contar como é?? 😐

  4. Simone disse:

    Lak, sou surda pré-lingual e não pós-lingual. Humpf.
    Obrigada pela admiração por mim e pelas pessoas que têm o mesmo caso que o meu.
    Beijos.

  5. Shirley disse:

    Foi com muita satisfaçao que descobr seu blog, tenho um filho com deficiencia auditiva bilateral, oralizado , ele tem 27 anos trabalha mas está muito sozinho como é timido nao faz muitos amigos.Gostaria de saber se vc conhece algum blog que ele possa conversar e fazer amigos. Somos de Fortaleza. Parabéns pelo blog.

  6. Cynthia disse:

    Eu estou ficando surda depois de um transplante de fígado de 19 anos. Já tive infecção hospitalar, e por causa da minha imunidade baixa, em todos exames me entupiram de antibióticos. Causa do transplante hepatite medicamentosa. Tenho epilepsia. Remédios que eu tomava antes acabaram com meu fígado. Fiz cirurgia pra retirar tumor benigno no cérebro que estava crescendo. Depois dessa cirurgia fiquei com amnésia leve. Então muito difícil para mim aprender coisas novas. Já olhei curso de libras na internet. No outro dia é como se nem tivesse olhado o vídeo. Como se estivesse assistindo pela primeira vez. E tudo no meu passado antes da cirurgia não esqueço nada. Não sei nem quantas refeições fiz ontem. Só não escuto os agudos. Voz de homem para mim é mais fácil de entender do que de mulher. Falou de costas para mim parece que mudou o idioma. Só entendo de frente e devagar. Nessa pressa do mundo emendam uma palavra na outra e uma frase parece uma uma palavra enorme totalmente sem sentido. Tenho 35 anos agora. A surdez começou há 4 anos quando o alarme do fogão estava gritando para mim comigo na cozinha do lado dele e eu não escutei.

    • Avatar photo Lak Lobato disse:

      Cynthia, seu caso parece mais problemas de processamento auditivo do que surdez. Você já passou com uma fono especializada?

    • Cynthia disse:

      Já passei. Sons agudos não escuto mesmo. Ela até me mostrou aparelhos de ouvido e como funcionam se eu quiser colocar um. Alarme do fogão e da geladeira que gritam na minha frente não escuto. Meu marido e minha mãe param o que estão fazendo para desligar e eu sem saber o que está acontecendo. Minha mãe já sofreu como acompanhante no hospital comigo em um dia que o alarme de incêndio estava disparando sozinho enquanto faziam manutenção. Se ela não me contasse, eu nunca saberia do alarme. Está ficando mais forte. Pedindo sempre para os que falam comigo para virar o rosto para meu lado.

  7. HUYLBER KEYSE BARBOSA DE CARVALHO disse:

    Muito bom, Lak!
    Parabéns pelo trabalho! Excelente!!!

  8. MAGNA GOIS DE ALMEIDA disse:

    Eu gostei muito dos seus apontamentos. Sou surda oralizada a 4 anos e utilizo aparelho auditivo. Mas, as pessoas acham que tenho que aprender libras… Ah, também sou Professora de Educação Básica.

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